A pandemia fez-nos, ou faz-nos, encerrar uma época de confiança na ciência e na tecnologia, apesar das muitas crises que temos assistido nos últimos anos ou décadas, conflitos, guerrilhas, fosso crescente entre pobres e ricos. Ainda assim, o mundo do bem-estar, do consumismo, do conforto ou da ociosidade estava em alta. Porém, a pandemia foi avassaladora. Havia alguns avisos, profecias, projeções. A rapidez do contágio, ultrapassando todas as fronteiras, sem se fixar num determinado território, ou o facto de afetar todas as classes sociais, surpreendeu-nos a todos.
A 27 de março de 2020, o Papa Francisco subia a praça de São Pedro, sob um céu escuro, com as nuvens carregadas, num fim de tarde cinzento. As imagens, vistas em todo o mundo, mostraram um homem sozinho, sério, com o semblante meditabundo, numa praça vazia, contrastando com o permanente movimento, ou com as enchentes para ouvir o Papa ou participar em alguma celebração. As palavras do santo Padre remeteram-nos para a confiança em Deus! A interrogação e medo os apóstolos, no desafio à fé. Não temais. Na sua intervenção, o Papa sublinhou como a pandemia era, de certo modo, a expressão de uma sociedade doente, com o crescimento das periferias e indiferença, de egoísmos e lutas pelo poder. Era, então e agora, tempo de reconhecermos que estávamos e estamos no mesmo barco e que todos dependemos de todos e cada um beneficia da generosidade, sabedoria e esforço do outro, e cada um de nós sai a perder quando nos fechamos e só queremos saber do nosso umbigo.
O mundo paralisou! Fábricas e escolas fecharam. Hipermercados e superfícies comerciais, circulação aérea e terrestre! Também as igrejas fecharam e as celebrações foram suspensas, apostando-se em transmissão, muitas delas paupérrimas, de Missas ou outros momentos de oração e reflexão.
Entretanto, Tomáš Halík fazia publicar um conjunto de reflexões sob o sugestivo título “O tempo das Igrejas vazias”.
Com o regresso, a medo, das pessoas às Igrejas, como às escolas e aos trabalhos, as Igrejas continuaram a ficar muito vazias, ou, como nos sublinha Armando Matteo, igrejas meio vazias. Estas igrejas meio vazias, porém, já o eram antes de se tornar visível. Há, segundo o autor, algumas faixas etárias que há muito deixaram os seus lugares vazios e não regressaram, a faixa dos 40, 50 e dos 60 anos. Regressaram, paulatina e progressivamente, os mais idosos, ainda que muitos tenham falecido em virtude da Covid-19. Não há como enganar, as Igrejas continuam meio vazias, pois já antes não mobilizavam aqueles que se foram afastando por não encontrarem motivações para ficar. As portas estão abertas para quem quiser entrar e para quem sai. Não nos cabe apenas esperar, cabe-nos enveredar pela revolução sugerida e encarnada pelo Papa Francisco, uma Igreja pobre, próxima, dócil à voz de Cristo, maternal em relação a todos. A referência é Jesus Cristo, na opção clara e preferencial pelos mais frágeis. Precisamos de ternura, empatia e mansidão.
A propósito de mansidão, o autor cita Norberto Bobbio: «O manso é […] aquele que ‘deixa o outro ser aquilo que é’, mesmo que o outro seja pretensioso, caluniador, prepotente. Não entra em relação com os outros no intuito de competir, de provocar conflitos e, por fim, de vencer. É completamente alheio ao espírito de competição, de concorrência, de rivalidade e, portanto, também de vitória. Com efeito, na luta pela vida, é o eterno derrotado. A imagem que ele tem do mundo e da história, do único mundo e da única história em que gostaria de viver, é a de um mundo e de uma história em que não há vencedores nem vencidos, e não há vencedores nem vencidos, porque não há competições pelo primado, nem lutas pelo poder, nem corridas à riqueza, faltando, em suma, as próprias condições que permitem dividir os homens em vencedores e vencidos».
Um pouco mais à frente, Matteo sublinha que “o manso é, em suma, aquele que faz entrar em cena outro uso da potência, da liberdade, da força, da sua própria pessoa. Abre um modo diferente de habitar a Terra. E este é, provavelmente, o sentido mais profundo daquela bem-aventurança que Jesus associa ao exercício da mansidão. Com efeito, Ele declara felizes os mansos «porque herdarão a terra» (Mt 5,5)”.
Armando Matteo
Nasceu em 1970. É professor de Teologia na Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma. Foi, por alguns anos, assistente nacional da Federação Universitária Católica Italiana (FUCI) e, desde 2012, é assistente nacional da Associação Italiana de Professores Católicos (AIMC). Estuda com uma paixão critica e uma inteligência reconhecida a sociedade contemporânea e a sua complexa relação com a fé. Os seus livros mais recentes catapultaram-no para o círculo internacional, e têm sido traduzidos em numerosas línguas.
- Autor: Armando Matteo
- Título: Converter Peter Pan
- Subtítulo: O destino da fé na sociedade da eterna juventude
- Editora: Paulinas
- Ano: 2022
- Páginas: 160