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Converter Peter Pan

Armando Matteo é professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma e, desde abril de 2021, exerce o cargo de Subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé, para o qual foi nomeado pelo Papa Francisco. Escreveu diversos ensaios, nos quais dá conta da sua perspetiva sobre o presente e o futuro da fé.

Converter Peter Pan – O destino da fé na sociedade da eterna juventude é uma dessas obras. Nela, parte-se da verificação de que, depois do tempo das igrejas vazias, por força das medidas relativas à pandemia, se entrou no período das “igrejas semivazias”. Esta situação pode dever-se a vários fatores, entre os quais se destacam a falta de uma fé esclarecida e madura e o perfil narcisista e egocêntrico da sociedade contemporânea. O autor propõe-se, então, não só mostrar as características desta sociedade, mas também sugerir estratégias para encher as igrejas.

Assim, o livro começa por apresentar um retrato assustador, mas, infelizmente, verdadeiro, do adulto atual. O traço que melhor o define é o “de ele se encontrar «sem» mais nada acima e além de si próprio”. Esta condição é bem visível em cinco características que o autor refere e explica com clareza: a falta de transcendência, de verdades, de limites, de moral e de política.

Consequentemente, e de modo geral, a situação é a seguinte: os adultos já não consideram “natural a referência a uma ordem divina providencial”; “já ninguém procura uma verdade única ou uma única verdade nem pensa que essa operação lhe seja de algum modo necessária”; existe “uma espécie de abrandamento do sentimento de limite próprio da espécie humana” e também “um abrandamento da ligação psíquica do adulto pós-moderno com a experiência da morte”; a moral que impera é a do consumo desenfreado e o interesse individual não deixa espaço para a preocupação com o bem comum.

Como pode, então, a Igreja atrair o adulto contemporâneo, esse adulto que, à semelhança de Peter Pan, não deseja crescer e que vê essa postura continuamente incentivada pelo mercado de diversão? O autor apresenta um conjunto de sugestões, todas com o objetivo de “«converter» aquele Peter Pan que habita no coração” das pessoas.

Em primeiro lugar, propõe-se um “cristianismo da mansidão”, inspirado, obviamente, na personalidade e nas ações de Jesus e concretizado, por exemplo, na atenção aos sofrimentos do próximo, na compaixão, no acolhimento e na ausência de rivalidades.

Por outro lado, sugerem-se “dez coisas que se podem fazer de imediato”, das quais destacamos as seguintes: maior familiarização com a Sagrada Escritura, em geral, e com os atos de Jesus, em particular, de modo a que todos, em qualquer situação, possam responder à pergunta “O que faria Jesus no meu lugar?”; a importância de criar um «ministério da escuta», no âmbito do qual sacerdotes e leigos se colocariam à disposição de quem precisasse de ser ouvido; o cuidado a ter com a escolha dos cânticos litúrgicos e a necessidade de incentivar todas as pessoas a cantar; a urgência de mostrar que o encontro com Jesus é o que garante a nossa alegria, de maneira a fazer desaparecer a ideia frequente “de que a alegria deve ser celebrada precisamente sem Deus”.

Embora este livro refira algumas ideias que poderão não ser consensuais, não há dúvida de que apresenta sugestões muito pertinentes, que, se postas em prática, contribuirão em larga medida para que as igrejas se encham de cristãos com uma fé esclarecida e, portanto, capazes de passar a todos, quer pela palavra, quer pelo exemplo, a mensagem de amor que Jesus veio trazer.


Margarida Dias, in Voz de Lamego, Ano 93/37, n.º 4717, de 16 de agosto de 2023

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