“Junto à cruz de Jesus, estavam de pé a sua Mãe, a irmã da sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Então Jesus, ao ver a Mãe e, próximo, o discípulo que amava, disse à Mãe: «Mulher, eis o teu filho». Depois disse ao discípulo: «Eis a tua Mãe». E, a partir daquela hora, o discípulo recebeu-a entre os seus” (Jo 19, 25-27).
No 525.º aniversário do Santuário de Nossa Senhora da Lapa, no passado dia 10 de junho, o nosso Bispo, no decorrer da homilia, agrafando a sua reflexão ao Evangelho, desafiou-nos a ser filhos “únicos” de Maria. Com efeito, a Virgem Mãe só tem um filho, Jesus Cristo. Porém, no alto da Cruz, Jesus “apresenta” a Maria o discípulo amado como filho e ao discípulo faz-lhe ver que Maria é sua Mãe. Citando o grande teólogo Orígenes, D. António Couto apontou o caminho para sermos filhos únicos. Não há outro filho. Maria só teve e só tem um filho, Jesus Cristo. Assim sendo, teremos que nos assumir como “alter Christus”, cada um de nós, um outro Cristo, ou melhor, identificar-nos de tal forma com Ele que possamos confessar como são Paulo, “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. O que agora vivo na carne, vivo-o na fé no Filho de Deus, que me amou e a si próprio se entregou por mim” (Gál 2, 20).
Não há outros filhos de Maria. Nos pensamentos, nas palavras e nas obras. Como há muito nos faz cantar o Padre Zézinho, pensar como Jesus pensava, sonhar como Jesus sonhava, viver como Jesus vivia. Com a mesma paixão! Com a mesma disponibilidade para dar a vida, para a gastar a favor de todos, preferencialmente em prol e com os mais desfavorecidos. Como diria o apóstolo são Paulo, fiz-me tudo para todos! Assim Jesus Se fez um de nós, um connosco, sem agenda, sem reservas, sem condições. Ele, que era de condição divina, não se valeu da Sua igualdade com Deus, aniquilou-Se a si mesmo, assumindo a condição de servo (cf. Filip 2, 2, 5-11). Seus seguidores, como cristãos, parafraseando o apóstolo, cabe-nos viver de modo semelhante, tenhamos o mesmo amor, os mesmos sentimentos, vivendo num só coração e numa só alma. A divisa de Jesus é servir, dar a vida. «O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos» (Mc 10, 45). Logo em quinta-feira, antes da Paixão, Jesus nos mostra o rosto e a postura que nos cabe assumir. Prostrando-se diante dos apóstolos e lavando-lhes os pés, Jesus torna-se o paradigma do discipulado e do serviço: «se Eu, “o Senhor” e “o Mestre”, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu vos fiz, vós façais também» (Jo 13, 14-15).
No célebre livro de Antoine Exupéry, o Principezinho descobre que a sua flor é única no mundo, não por ser a única existente, na verdade há muitas flores quase iguais à sua, mas só aquela que, ao longo do tempo, lhe deu que fazer, entre preocupações e pedidos, é a sua flor. Gastou-se com ela, ora rejubilando com a sua beleza, ora arreliando-se com as suas exigências. Fugiu do seu mundo, para descobrir que só em casa estava a sua vida toda e que a sua flor bastava para iluminar de alegria e beleza o (seu) mundo inteiro.
Somos filhos únicos do Senhor nosso Deus e da Virgem Maria, porque somos amados na totalidade. O amor não se divide, o amor engloba e soma! Somos o filho único, na medida (e sempre) que somos Jesus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/33, n.º 4713, 5 de julho 2023