1 – Enquanto «mãe de todas as coisas» — assim já pensavam os antigos —, a experiência ensina e ensina continuamente.
Um dos seus maiores ensinamentos é que a pior transgressão é a primeira; a pior mentira é a primeira; o pior homicídio é o primeiro.
2 – Porquê? Porque, quase sempre, o que custa mais é começar. Depois, com a habituação, o que custa, deixa de custar ou de custar tanto.
E é deste modo que da mentira leve depressa se passa à mentira grave; e o homicídio rapidamente pode dar lugar a morticínios em massa.
3 – É por isso que, pensando bem, a diferença entre a criminalidade doméstica e os maiores conflitos mundiais tende a ser de escala.
Infelizmente, o princípio é o mesmo. O ódio e a violência estão alojados no lugar donde deveriam ser extirpados de vez: o coração humano.
4 – O que ocorre à frente das câmaras de TV acaba por ser a amplificação do que acontece, tantas vezes, no lugar mais remoto.
Sucede que a gravidade não difere na substância. Os ingredientes éticos são os mesmos, ou seja, nulos.
5 – Há a tendência, dificilmente superável, para fracturar a vida pública e a vida privada.
Não falta quem pense respeitar a ética desde que proceda rectamente em público.
6 – E não há dúvida de que fazer o bem em público, em favor dos outros, é uma bela realização da ética.
Acontece que este imperativo vale igualmente para quando estamos sozinhos ou à frente de uma única pessoa; fazer o bem nessa altura, além de ética, revela carácter.
7 – Não raramente, dá a impressão de que falta carácter para viver eticamente durante todo o tempo: estejamos ou não a ser vistos e, portanto, escrutinados.
Mas esse carácter parece colapsar de vez quando estão milhões de vidas em causa.
8 – O ser humano tem um potencial enorme para fazer o bem ou para detonar o mal.
Como se isso não bastasse, há que ter em conta os que cooperam com os promotores da maldade. Mas também abundam os que se agregam para lhe fazer frente.
9 – Para os cristãos, não pode haver hesitações.
Como adverte Dietrich Bonhoeffer, a Igreja tem uma obrigação acrescida «e incondicional de ajudar as vítimas, ainda que elas não façam parte da comunidade cristã».
10 – Não é o alicerce de uma ética universal que aquilo que não queremos para nós não deve ser feito aos outros?
E, correspondentemente, o que desejamos para nós há-de ser colocado também à disposição dos demais? Para quando uma fraternidade planetária?
Pe. João António, in Voz de Lamego, ano 92/46, n.º 4676, 12 de outubro de 2022