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Alfredo da Costa Afonso, o irmão formiga

Podia resumir o seu currículo da seguinte forma: -“Foi comerciante em Angola para conseguir a independência económica. Mas o seu sonho era ser missionário o que aconteceu aos trinta anos quando se tornou Comboniano”.

Alfredo da Costa Afonso era natural dos Alhais, filho de Manuel da Costa Júnior e de Guiomar Afonso. Cedo manifestou vontade de ir para o seminário mas, como era muito reguila, o pai achava que era perder tempo e dinheiro. Aos 17 anos, parte para Angola e, cinco anos depois, começa a negociar em gado, cereais, alfaias agrícolas, enfim, tudo o que lhe parecesse rentável. Tinha um grande faro para o negócio. Em 1956, vem à sua aldeia e estabelece contacto com os Missionários combonianos. Regressa a Angola e, em 1962, troca o sucesso dos negócios e segue a vocação de criança, ser missionário.

Mandam-no estudar para Itália mas a PIDE desconfiando que esteja envolvido com algum Movimento de Libertação, submetem-no a longo interrogatório e não lhe  dá o passaporte. Valeu-lhe o então Presidente da Câmara de Lisboa que tinha ligações a Viseu.

Em 1972, parte para Moçambique e nunca perdeu o faro de negociante em favor das missões, dos pobres e doentes. Revindica os seus direitos e os dos outros. Tem uma intuição perspicaz e ações muito rápidas. A sua vida, bem contada, dava para um belo romance.

Os missionários, receosos de serem expulsos dum dia para o outro, fizeram esforços suplementares para deixarem livros de catequese e de orações aos cristãos. A própria Bíblia, traduzida em dialeto, impressa na Europa, vinha a caminho de Moçambique, em contentores. Como desalfandegá-la visto que eram livros proibidos? Só o Irmão Alfredo. Com o seu patuá e a sua grande astúcia consegue autorização do Instituto Nacional do Livro e, logo, com dois camiões transporta para Nacala, cinquenta mil volumes do “Novo Testamento” e vinte mil da Bíblias. Guarda tudo na sacristia e, nessa mesma noite, foi distribuir.

Movimentava-se, com ligeireza, na fronteira entre a Frelimo e a Renamo. Os doentes precisavam de farinha, e para ir comprá-la, tinha de atravessar a fronteira da guerra. Foi apanhado e querem fuzilá-lo. “Matar-me a mim que ando a fazer bem? Quem me deu a vida foi Deus. Ele é que ma há -de tirar. Não são vocês com as vossas armas. Eu nunca manchei as mãos com sangue” e mostrou-lhes o Crucifixo. O comandante baixou a arma e deixou-o passar.

Na fronteira de duas forças opostas ia observando as atrocidades que cometiam de ambos os lados: chacinas em que as pessoas eram mortas, a tiro, esfaqueadas, desventradas, casas e campos incendiados, roubos etc.. Todas as semanas entrega a descrição destas barbaridades ao arcebispo de Nampula para que ele as denuncie.

No calor da guerra, chega a notícia de que, a 80 quilómetros da missão, zona controlada pela Frelimo, havia uma grande epidemia. Há sete anos que não tinham assistência. Não havia estrada. Contrata dois guias para o acompanhar e percorrem todo o caminho a pé. O Povo canta e dança ao ver o Missionário. Ficam lá uma semana, dormindo no chão e comendo o que calhava. Diz: “O povo vivia muito mal. Encontrei leprosos a desfazerem-se. Aquilo impressionou-me muito e comecei a curá-los. Salvei muita gente”.

Em 1992, ao chegar a uma aldeia encontra a gente muda. Tinham morrido umas sessenta crianças com o sarampo. “Não pude ficar indiferente. Não estava preparado para aquilo mas a vida da gente vem sempre primeiro. Fui falar com os responsáveis de saúde. Recusaram-se a ir lá porque era zona de guerra. Peguei no carro e trouxe cento e trinta crianças. Deixaram morrer algumas e ainda lhe roubaram as mantas que eu dei para se cobrirem”

Vai a Nampula pedir um técnico para ir vacinar as crianças. Deram-lho na condição de o não deixar apanhar pela Renamo: “Não o apanham, não senhor. Para o apanharem a ele têm de me apanhar primeiro a mim. Ora a mim não é fácil apanharem-me. Teriam de gastar muita saliva. Eu tenho patuá para conseguir dominar”.

 (…). “Nunca tive medo de enfrentar tanto a Frelimo como a Renamo. (…) Um dia estava numa celebração onde haveria quarenta Batismos e vinte casamentos. Antes de começar, vem a Renamo e começa um tiroteio dos diabos. As pessoas, cerca de quatrocentas, querem fugir mas eu não deixo. Queriam incendiar o carro, a capela e levar as pessoas. Insisto que não vão. Chega mais um batalhão e combato-os com a Bíblia e a Carta dos Direitos Humanos. Confesso que, desta vez, tive medo”.

As histórias são às centenas. Um dia, prenderam-lhe alguns catequistas sob o pretexto de traição política. O Irmão Alfredo vai dormir para a porta da prisão. Canta os Salmos do lado de fora e os presos respondem do lado de dentro. Ao meio dia, vai buscar comida e levá-la aos quarenta presos.

Em 1976, os encarregados de Centro Catequético de Anchilo publicaram um livro de Orações, em dialeto macúa, e o Irmão Alfredo ofereceu-se para fazer os acabamentos e levá-los à tipografia. Foi denunciado pelos agentes do partido. O Governador manda apreender o livro e prender o missionário. Quando o foram buscar, vinha ele com um feixe de erva às costas para dar de comer a 300 coelhos que tinha. Os agentes ficam admirados de ver o missionário com “as ideias agrárias de criar animais” conforme mandara o presidente Samora.

O Diretor Provincial quer saber quem fez o livro, abre o livro e depara com as Orações dos fiéis em que pede “pelos nossos Governantes”.  Tem dificuldade em acreditar: “O quê, vocês também rezam por nós?” “É claro, Cristo também rezou pelos pecadores”, remata o Irmão. E ilibaram-no.

Uma Irmã do Centro Catequético deu um relógio baratucho a um moçambicano. Ele ficou tão contente que lhe ofereceu um leitão. A Irmã não aceita porque era pobre mas pede-lhe para criar o leitão. Quando já tinha 70 ou 80 quilos, o Irmão Alfredo vai vendê-lo à cidade para dar o valor ao pobre que lho oferecera. O hotel compra-o mas pede ao Irmão para o ir pesar. E agora? Vai à loja dum amigo de religião muçulmana. Este nega-se a deixar colocar o porco na balança. Contaminava a balança e afugentaria os fregueses, na maioria, muçulmanos. O Irmão Alfredo resolve facilmente. Pesa-se com o porco às costas, depois pesou-se só e deduziram a diferença. “Branco tem o esperto na cabeça”, comentavam.

O Senhor chamou-o a 12 de Julho de 2022 quando já perfizera 90 anos de idade.


Pe. Justino Lopes, in Voz de Lamego, ano 94/30, n.º 4758, de 12 de junho 2024.

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