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Editorial Voz de Lamego: Adriano Moreira

Estamos em vésperas da solenidade de Todos os Santos e dos Fiéis Defuntos, datas que nos dizem muito, mais pela memória que fazemos de familiares e amigos, que já se encontram na Casa do Pai, do que (talvez) pela santidade reconhecida a alguns tantos que viveram antes de nós.

Ao festejarmos, numa única solenidade, todos os santos, focamo-nos naqueles que não foram propostos publicamente pela Igreja, como referência e como objeto de veneração. Ao longo dos tempos, existiram muitas pessoas que deixaram marcas de bondade, carinho, comprometimento com os outros, que gastaram a sua vida em favor dos mais frágeis, dos desamparados, ou que, em família, souberam sacrificar-se, cuidar, servir, com amor e abnegação, de forma resiliente e constante.

No dia 19 de março de 2018, solenidade de são José, o papa Francisco ofereceu ao mundo mais uma exortação apostólica, com o título «Alegrai-vos e exultai» (Gaudete et exsultate). Um dos subtítulos é: “Os santos ao pé da porta”. Na verdade, encontramos, ao longo da vida, pessoas verdadeiramente inspiradoras, simples, trabalhadoras, honestas e generosas. “Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ‘ao pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’» (n. 7).

No último domingo, 23 de outubro, chegou a notícia da morte de Adriano Moreira. Multiplicaram-se os elogios. Foram 100 anos, uma vida longa que marcou indelevelmente uma forma serena de fazer política, numa ambiência cristã, tendo como referência a doutrina social da Igreja, procurando pontes. Se excetuarmos alguns muros extremistas, a figura de Adriano Moreira é muito consensual, um jeito de ser português transmontano, de amar o país e as pessoas, na intervenção política, académica e cultural.

Adriano José Alves Moreira nasceu em Grijó de Vale Benfeito, Macedo e Cavaleiros, a 6 de setembro de 1922. O pai era agente da PSP e mãe doméstica, mudaram-se para Lisboa um ano depois dele de nascer, instalando-se no bairro de Campolide.

Depois de formado, exerceu advocacia, defendendo um processo contra o então ministro da Guerra, Fernando dos Santos Costa, o que lhe valeu a detenção durante dois meses. Críticas ao regime, sobre o Ultramar, levaram Salazar a convidá-lo a pôr em prática o que defendia. Quando Salazar lhe pediu para trocar de política, Adriano Moreira demitiu-se.  Depois do 25 de abril de 1974, esteve exilado no Brasil. Regressando a Portugal, envolveu-se ativamente na política, vindo mesmo a filiar-se e a liderar o CDS. Destaca-se como catedrático, publicando diversas obras, dando palestras, entrevistas e conferências. Não estando há muito na vida político-partidária, era uma voz escutada com atenção, ponderado a procurar pontes sem se deixar iludir por falsos messianismos. É uma das figuras mais notáveis da democracia portuguesa.

Não sei se se enquadra no dizer do santo Padre, como santo ao pé da porta, mas é uma daquelas figuras que deixa marcas profundas de bondade, de sabedoria e de serviço à democracia e ao país.


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/48, n.º 4678, 26 de outubro de 2022

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