HomeDestaquesA vida é uma aventura, não um passeio
DestaquesEditorial

A vida é uma aventura, não um passeio

Um passeio é, habitualmente, algo de prazeroso, descontraído, sem relógio, sem horários a cumprir, ainda que haja passeios tão cronometrados que se tornam passeios enfadonhos, cansativos, uma tortura de pressa e stresse. Faz lembrar as pessoas que depois das férias precisam de uns dias para descansar… das férias! Seja como for, associamos o passeio a um tempo de relaxamento, divertido, conjuntamente com amigos e/ou familiares

Entender a vida como aventura, sem mais, pode levar-nos por diferentes perspetivas. Podemos entender que a aventura é algo de leve, livre, com pouca responsabilidade, sem compromisso e, nesse caso, não seria muito diferente de um passeio. Podemos entender que a vida é um desafio permanente, nada está adquirido, o que hoje é certo, amanhã pode não sê-lo, as respostas que hoje damos para determinado problema, amanhã já não servem. A vida é uma aventura que pode correr bem ou correr mal, ou uma mistura das duas possibilidades.

Com efeito, a vida não se encaixa numa definição ou conceito. Mais do que conceitos, prevalece a vida de cada um, a minha vida, a tua vida, a vida que nos rodeia, com as suas nuances, imprevistos, com situações que fazem perigar as nossas seguranças e as nossas certezas ou que nos surpreendem com momentos em que nos sentimos abençoados, mais do que mereceríamos!

A inspiração para estes linhas resulta de uma leitura, “O rapaz dos Blocos”, sobre um menino autista. Diagnosticaram a um dos filhos do autor, o jornalista Keith Stuart, uma desordem do espetro autista. Os jogos, nomeadamente o Minicraft, são um belíssimo instrumento de comunicação com o filho. Muita dessa experiência passa para este romance. Para que Sam, a personagem do livro, aprenda a lidar com as dificuldades, com os medos, com as novidades, os pais vão explicando e repetindo que a vida é uma aventura, não um passeio. Num passeio, corre tudo bem, numa aventura surgem surpresas, nem sempre agradáveis. É preciso lidar com as novas situações e ultrapassar o medo.

Na nossa mundividência cristã, a vida é, antes de mais, um dom. Deus chama-nos à vida, através dos nossos pais, depois cabe-nos desenvolver os dons e os talentos, fazer com que a vida seja bênção, para nós e para os outros. Não estamos sozinhos, mas há escolhas que temos de fazer, que outros não podem fazer por nós. A recusa de tomar uma opção ou de deixar que os outros decidam por nós já é uma escolha. Nesse caso, seremos vítimas, espetadores, estamos na plateia, sem entrarmos no palco. Socorrendo-nos, uma vez mais, de Augusto Cury, é urgente que não sejamos meros espetadores, mas atores da nossa história. Há muito caminho a percorrer. Não nos fixemos nas dificuldades, busquemos caminhos, respostas e soluções. Por cada resposta, novas perguntas nos hão de inquietar, colocando-nos (novamente) em modo de busca. Não sendo deuses, não temos resposta para tudo, havemos de ter muitas questões, dúvidas e hesitações, mas não baixemos os braços, não fiquemos a meio da busca, a meio do caminho.

Jesus chama e envia os Seus discípulos, mas não lhes promete vida fácil. A vida será uma aventura, um desafio, não apenas para o tempo presente, mas até à eternidade. Pelo meio, advirá a incompreensão, a maledicência, a perseguição e até a própria morte. A garantia de Jesus: quem perseverar até ao fim será salvo… Eu estarei convosco até ao fim dos tempos! Não tenhais medo, Eu venci o mundo (o mal)!

Deixamo-nos desafiar pelo Mestre da Vida?


Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, Ano 93/41, n.º 4721, de 13 de setembro de 2023

Deixe um comentário