Dedicamos um mês a Maria, sem deixarmos de lhe devotarmos o nosso carinho e de a colhermos, ao jeito do discípulo amado, ao longo dos dias e dos meses, ao longo de todo o ano e da vida toda.
Maio é-lhe dedicado, sem nos descentrar do mistério pascal, morte e ressurreição de Jesus e sem esquecer toda a Sagrada Família, pois iniciamos o mês com a memória litúrgica de são José, operário, o que tem a “custódia” de Maria e de Jesus, para deles cuidar.
Nos vários quadros que nos são apresentados de Maria, se repararmos bem, ela nunca é o centro da narrativa, da história, do momento. Ela existe, ela age, ela está, ela intervém, ela acolhe com o olhar, o coração e a vida, toda voltada para Deus, para realizar a Sua vontade, para dar ao mundo Jesus, apontando para Ele, encaminhando-nos para Ele.
Na anunciação, o filho de Deus, que há de chamar-se Jesus, ocupa todo o espaço, e todas as palavras ditas a Maria e todas as palavras que Maria diz ao Anjo. Não é um mero recetáculo. Ela tem vontade própria, pois até Deus se coloca à espera, se coloca à escuta. Deus criou-nos, como diria santo Agostinho, sem nós, sem o nosso contributo ou assentimento, mas não nos salva sem nós, sem a nossa vontade, sem Lhe abrirmos o coração e a vida para Ele agir, pelo Seu Espírito de Amor. Maria é dócil, cheia de graça, escuta o chamamento de Deus e responde com fé e confiança: faça-se em mim segundo a Sua palavra.
Após a anunciação do Anjo, Maria não reserva tempo ou espaço para si, levanta-se e parte apressadamente ao encontro da sua parenta Isabel. Esta é também a pressa em que a Jornada Mundial da Juventude nos traz, de irmos ao encontro uns dos outros para levar Jesus, para falarmos da alegria do nosso encontro com Ele, deixando-nos mover e empolgar e comprometer com a vontade divina.
Na perda e encontro de Jesus no Templo, Maria e José veem claramente que as coisas do Pai estão em primeiro lugar. É Jesus que o diz. Tudo é importante, mas a prioridade, o chão, o sustentáculo da nossa vida é o próprio Deus. Jesus, diria Bento XVI em Colónia, nada nos tira, “leva tudo à perfeição para a glória de Deus, a felicidade dos homens e a salvação do mundo”. Maria sabe isso. O seu sim é a resposta firme de quem se deixa inundar pela graça de Deus para que Ele opere vida. Num primeiro momento, quando ouviu a resposta de Jesus – não sabíeis que Eu devia ocupar-me das coisas de Meu Pai? – não deve ter sido fácil, mas logo Maria acolheu aquelas palavras em seu coração. Não estavam em causa as suas aflições, ainda que legítimas e justas, mas o centro de todas as horas e momentos, a vontade, as coisas do Pai.
Nas Bodas de Caná, Maria chama-nos e desafia-nos, com palavras incisivas: fazei tudo o que Ele vos disser. Na verdade, à primeira vista vemo-la preocupada, depois vemos a situação dos noivos, mas logo ela nos diz, que em todas as situações, Jesus está presente, se O chamarmos, se fizermos o que Ele nos manda.
Agora entendemos melhor um dos últimos gestos de Jesus, dando-nos Maria por Mãe, e dando-nos a ela como seus filhos. Se formos “discípulo amado”, ela vem connosco para nossa casa, para a nossa vida, não como convidada ou hóspede, mas como Mãe, e se é Mãe é ela que “governa” a casa, a nossa vida, focando-nos de novo, em Jesus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 93/28, n.º 4708, 31 de maio 2023